Passo a tarde na companhia de
Mie, uma japonesa que conheci há dois dias, de visita a Portugal. Sentados à nossa frente na carruagem de metro, um jovem casal troca muitos beijos carinhosos, enquanto, a meu lado, a minha mais recente amiga esconde a cara e esboça um sorriso de embaraço. Segundo ela, as manifestações afectivas no Japão dão-se
exclusivamente a portas fechadas, na intimidade do lar ou, mais rigorosamente, “no quarto.” Diz a menina que
nunca viu os pais beijarem-se e que mesmo pais e filhos só trocam beijos durante a infância dos rebentos. “Quer dizer que não cumprimentas os teus pais com beijos?,” pergunto eu. “Nããããão!,” e ela mostra-se chocada, “Somente
vénia.” Em toda a vida social japonesa, quer em família, entre amigos ou colegas, as pessoas cingem-se à vénia. “Às vezes, com amigas, também
abraço, sim,” rectifica ela.
Agora beijocar os pais, isso é que não! E ela parece-me até um pouco
enojada quando eu revelo que beijo os meus sempre que os vejo. Ou que os vejo todas as semanas. “
Todas as semanas?! Mas
porquê?!” Não reprimo uma gargalhada ao responder-lhe o óbvio: “Ora, porque eles
gostam de mim!” Mas, ao que parece, isso é um exagero absurdo para a rapariga. Afinal, os seus pais também gostam dela mas chega-lhes perfeitamente o seu encontro
anual para matar saudades, quando a menina se ausenta da gigantesca capital nipónica para os visitar uns dias à terrinha.
Outro hábito que não existe no Japão é o de receber pessoas em casa própria. Diz a rapariga que não costuma visitar as suas amigas nos seus lares porque “
elas têm namorado.” Mas mesmo ela, que é descomprometida, não convida amigos para o seu apartamento. Portanto, ao que tudo indica, os japoneses fazem uma distinção
radical entre a vida pública e a privada. E sendo que o lar é o templo por excelência da administração da vida íntima, é impensável (para eles) deixar invadir esse restrito círculo por pessoas
exteriores a ele.
“Conta lá, então,” pergunto eu com curiosidade, “como fazem os japoneses para
namorar.” Ela pensa um pouco antes de responder: “Primeiro, vamos a
bar de solteiros, onde conhecemos um ao outro e conversamos um pouco. Depois, se gostarmos um do outro, combinamos encontro para conversar mais.” “E dar
beijinhos, claro,” atiro eu. “Nããããão!,” escandaliza-se ela, “Beijinhos não! Só conversa. E depois, outro encontro.” “E
beijinhos,” insisto eu. “Não! Mais conversa. Depois, outro encontro.” “E beijinhos?...” (Já perdi a esperança.) “Não! Beijinhos só depois de
muitos encontros. Depois de
conhecer bem.” “Ah bom! Então é
ao contrário de Portugal,” digo eu. “Aqui, quando começas a conhecer bem outra pessoa, já
não a queres beijar.” A menina está baralhada.
“Sim, é importante beijar
logo no início,” explico eu, “quando ambos
não se conhecem e estão mutuamente
iludidos acerca do outro. Se cometem o
erro de se conhecer bem, está tudo estragado, porque acabam por
perder o interesse mútuo. Ficam
amigos. E depois vai cada um para seu lado sem sequer ter tido a oportunidade – e a consolação – de ferrar um bocadinho o dente enquanto andavam iludidos.” Mas estes conceitos já são lá muito à frente para os costumes amorosos da minha adorável amiga.
Triste vida, a japonesa. Calculo que uma cultura com uma educação destas torne a vida afectiva
deveras complicada aos infortunados solteiros que procuram consorte. Porque se lhes são interditas as manifestações de afecto em locais públicos mas também não estão à vontade para receber pessoas na intimidade do próprio lar, que
outras alternativas lhes restam, para além de gastar o tempo todo em
conversas e vénias respeitosas e inúteis? Pobres japoneses. A continuar assim, entram sem dúvida em
vias de extinção. Por outro lado, não admira que o país do Sol Nascente seja a potência económica que é. Pois, se não podem amar livremente, nada mais resta a essa gente infeliz que abjurar as suas frustrações amorosas... no
trabalho.